terça-feira, 13 de julho de 2010

quimeras

'É axiomático...Tudo está nas mãos de um homem e ele deixa escapar por covardia. Estou propenso a crer que o que mais tememos é o que nos tira de nossos hábitos. Mas ando a divagar e é por divagar tanto que nada faço. É verdade que eu poderia aduzir mais esta razão: é porque nada faço que divago tanto. Há um mês que me acostumei a falar a sós, parado num canto dias inteiros, preocupado com disparates. Vejamos, em que vou me meter? Serei capaz disto? Isto será sério? Não, isto não é sério...São fantasias que me preocupam o espírito, simples quimeras.'


(Raskólnikof, 'Crime e Castigo')

sexta-feira, 28 de maio de 2010

soco no crânio

É bom quando nossa consciência sofre grandes ferimentos, pois isso a torna mais sensível a cada estímulo. Penso que devemos ler apenas livros que nos ferem, que nos afligem. Se o livro que estamos lendo não nos desperta como um soco no crânio, por que perder tempo lendo-o? Para que ele nos torne felizes, como você diz? Oh Deus, nós seríamos felizes do mesmo modo se esses livros não existissem. Livros que nos fazem felizes poderíamos escrever nós mesmos num piscar de olhos. Precisamos de livros que nos atinjam como a mais dolorosa desventura, que nos assolem profundamente – como a morte de alguém que amávamos mais do que a nós mesmos –, que nos façam sentir que fomos banidos para o ermo, para longe de qualquer presença humana – como um suicídio. Um livro deve ser um machado para o mar congelado que há dentro de nós.


- Franz Kafka

quinta-feira, 1 de abril de 2010

footprints

One night a man had a dream. He dreamt he was walking along the beach with the Lord. Across the sky flashed scenes from his life. For each scene he noticed two sets of footprints on the sand — one belonging to him and the other to the Lord. When the last scene had flashed before him, he looked back at the footprints and he noticed only one set. He also noticed that this happened during the lowest and saddest times of his life. This bothered him and he questioned the Lord. “Lord, you said that once I decided to follow you, you would walk all the way with me, but I noticed that during the most troublesome times of my life there was only one set of footprints. I don’t understand why, when I needed you most, you deserted me.”

The Lord replied, “My precious child, I love you and would never leave you. During your times of trial and suffering, when you see only one set of footprints, those were the times when I carried you in my arms.”


- Mary Stevenson

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

self-Pity


I never saw a wild thing
sorry for itself.
A small bird will drop frozen dead from a bough
without ever having felt sorry for itself.

a arte de perder


A arte de perder não tarda aprender;
tantas coisas parecem feitas com o molde
da perda que o perdê-las não traz desastre.

Perca algo a cada dia. Aceita o susto
de perder chaves, e a hora passada embalde.
A arte de perder não tarda aprender.

Pratica perder mais rápido mil coisas mais:
lugares, nomes, onde pensaste de férias
ir. Nenhuma perda trará desastre.

Perdi o relógio de minha mãe. A última,
ou a penúltima, de minhas casas queridas
foi-se. Não tarda aprender, a arte de perder.

Perdi duas cidades, eram deliciosas. E,
pior, alguns reinos que tive, dois rios, um
continente. Sinto sua falta, nenhum desastre.

- Mesmo perder-te a ti (a voz que ria, um ente
amado), mentir não posso. É evidente:
a arte de perder muito não tarda aprender,
embora a perda – escreva tudo! – lembre desastre.

Elizabeth Bishop

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

+ existencialismo

"Nós não somos
o que fizeram de nós,
mas sim o que fazemos
do que fizeram da gente".

(Sartre)

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

o maior tormento do homem

A memória é o maior tormento do Homem

Pensa no rebanho que passa ao teu lado pastando: ele não sabe o que é ontem e o que é hoje; ele saltita de lá para cá, come, descansa, digere, saltita de novo; e assim de manhã até a noite, dia após dia; ligado de maneira fugaz por isto, nem melancólico nem enfadado. Ver isto desgosta duramente o homem porque ele vangloria-se da sua humanidade frente ao animal, embora olhe invejoso para a sua felicidade: pois o homem quer apenas isso, viver como animal, sem melancolia, sem dor; e o que quer entretanto em vão, porque não tem quereres como os do animal.

O Homem também se admira de si mesmo por não poder aprender a esquecer e por sempre se ver novamente preso ao que passou: por mais longe e rápido que ele corra, a "corrente" corre junto. É um milagre: o instante em um átimo está aí, em um átimo já passou, antes um nada, depois um nada, retorna entretanto ainda como um fantasma e perturba a tranqüilidade de um instante posterior. Incessantemente uma folha se destaca da roldana do tempo, cai e é carregada pelo vento - e, de repente, é trazida de volta ao colo do homem.

Então, o homem diz: "eu me lembro"; e inveja o animal que imediatamente esquece e vê todo o instante realmente morrer imerso em névoa e noite e extinguir-se para sempre. Assim, o animal vive a-historicamente; ele passa pelo presente como um número, sem que reste uma estranha quebra.



'Segunda Consideração Intempestiva'

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

o mundo é um moinho

Ainda é cedo amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora da partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção querida
Embora saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és

Ouça-me bem amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões à pó.

Preste atenção querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés.


quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

waking life

- Excuse me. - Excuse me.
Hey. Could we do that again?
I know we haven't met, but I don't want to be an ant. You know?
I mean, it's like we go through life...
with our antennas bouncing off one other,
continuously on ant autopilot,
with nothing really human required of us.
Stop. Go. Walk here. Drive there.
All action basically for survival.
All communication simply to keep this ant colony buzzing along...
in an efficient, polite manner.
" Here's your change." " Paper or plastic?" "Credit or debit?"
"You want ketchup with that?"
I don't want a straw. I want real human moments.
I want to see you. I want you to see me.
I don't want to give that up. I don't want to be an ant, you know?

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

Aos apaixonados.

Um homem sem paixões está tão perto da estupidez que só lhe falta abrir a boca para cair nela.
- Sêneca


AOS APAIXONADOS

Dedico esta crônica aos apaixonados, mesmo sabendo que servirá para nada. É inútil falar aos apaixonados. Os apaixonados só ouvem poemas e canções. A paixão, experiência insuperável de prazer e alegria, pelo fato mesmo de ser uma experiência insuperável de prazer e alegria, coloca o apaixonado fora dos limites da razão. Todo apaixonado é tolo.

Pode ser que ele escute a fala da razão. Escuta mas não acredita. Diz ele: "O meu caso é diferente!" Tolo mesmo é quem tenta argumentar com os apaixonados.

Começo minha inútil meditação com um verso terrível de T. S. Eliot. Ele está rezando. Ele sabe que somente Deus tem poder para lidar com a loucura da paixão. Ele reza assim: "... e livra-me da dor da paixão não satisfeita, e da dor muito maior da paixão satisfeita."

Todo mundo sabe que paixão não satisfeita dói. Mas poucos sabem que a paixão só existe se não for satisfeita. A paixão é um desejo de posse que, para existir, não pode se realizar.

Como a fome: depois do almoço a fome acaba...

Paixão é fome. Ela só floresce na ausência do objeto amado. Mais precisamente, ela vive da ausência do objeto amado. Não se trata de ausência física, o objeto amado distante, longe. A dor da ausência física tem o nome de saudade. Saudade tem cura. A saudade é curada quando o objeto volta. A dor da paixão é diferente. Não tem cura. A saudade do objeto amado, mesmo quando ele está presente, é o perfume característico da paixão.

Cassiano Ricardo sabia disso e escreveu: "Por que tenho saudade/ de você, no retrato, ainda que o mais recente?/ E por que um simples retrato,/ mais que você, me comove, se você mesma está presente?" Que coisa mais esquisita! Como pode ser isso? Como se pode sentir saudade de algo que está presente? A resposta é simples: a gente sente saudades de uma pessoa presente quando ela está se despedindo. Cecília Meireles, desenhando sua avô morta, a quem ela muito amava, disse: "Tu eras uma ausência que se demorava; uma despedida pronta a cumprir-se." Dirão: "É natural, um dia ele possuirá o objeto da sua paixão." Mas a "dor muito maior" da paixão satisfeita não tem mais esperanças. O objeto se desfez. Ela vive na tristeza do objeto perdido.

Escrevi uma estória sobre isso. A Menina era apaixonada pelo Pássaro Encantado. Mas ela sofria porque o Pássaro era livre. O Pássaro Encantado era sempre uma ausência que se demorava, uma despedida pronta a cumprir-se. O Pássaro lhe disse que era preciso que fosse assim, para que eles continuassem apaixonados. Ele sabia que a paixão só ama pássaros em vôo. Mas a Menina não acreditou. Prendeu-o numa gaiola.

Gaiola? Há as feitas com ferro e cadeados. Mas as mais sutis são feitas com desejos.

Esquisito o que vou dizer: a alma é uma biblioteca. Nela se encontram as estórias que amamos. "Romeu e Julieta", "Abelardo e Heloísa", "O paciente inglês", "As pontes de Madison", "Amor nos tempo do cólera", "A menina e o pássaro encantado". As estórias que amamos revelam a forma do nosso desejo. Delas, escolhemos uma. É a nossa gaiola.

Gaiola na mão, saímos pela vida à procura do nosso Pássaro. Quando imaginamos havê-lo encontrado - que felicidade! Ficará feliz em nossa gaiola. Será o amante da nossa estória de amor: eu pra você, você pra mim... Nós o colocamos lá dentro e pedimos que nos cante canções de amor.

Acontece que o Pássaro também tinha a sua estória. E era outra. Todo Pássaro deseja voar. Ele bate suas asas contra as grades, suas penas perdem as cores e o seu canto se transforma em choro. E, de repente, ele se transforma. Não mais ele possuirá o objeto da sua paixão. Mas a "dor muito maior" da paixão satisfeita não tem mais esperanças. O objeto se desfez. Ela vive na tristeza do objeto perdido.

Contada assim, a estória parece ter um vilão e uma vítima. A verdade é que os dois são vilões, os dois são vítimas. O desejo da gente é sempre engaiolar o outro e levá-lo pelos caminhos que são nossos. Isso vale para tudo: marido-mulher, pai-filha, mãe-filho, patrão-empregado, professor-aluno... Não admira que Sartre tenha dito que "o inferno é o outro".

Não haverá uma saída. Lembro-me de um pequeno poema de Pearls sugere a possibilidade de uma relação sem gaiolas:

"Eu sou eu.
Você é você.
Eu não estou nesse mundo para atender às suas expectativas
E você não está nesse mundo para atender às minhas expectativas.
Eu faço a minha coisa.
Você faz a sua.
E quando nos encontramos
É muito bom."


- Rubem Alves

sábado, 7 de novembro de 2009

de profundis (post absolutamente incompleto)

"Cansado de estar nas alturas, desci deliberadamente até o nível mais baixo, à procura de novas sensações. O que o paradoxo era para mim na esfera do pensamento, tornou-se para mim a perversidade na esfera da paixão. Por fim, o desejo era uma doença, ou uma loucura, ou ambas. Tornei-me descuidado em relação à vida dos outros. Retirava prazer daquilo me agradava, e continuava. Esqueci-me que todas as pequenas ações do dia-a-dia constroem ou destroem uma personalidade, e que, portanto, aquilo que se fez no segredo do quarto terá um dia que ser dito em voz alto no topo dos edifícios. Deixei de ser senhor de mim. Já não era o comandante da minha alma, e não o sabia. Permiti que tu me dominasses e que teu pai me assustasses. Terminei em horrível desgraça. Agora, só há uma coisa para mim, nesta altura, a absoluta Humildade; tal como já só há uma coisa para ti, também a absoluta Humildade. Teria sido melhor que descesses até o pó e aprendesses a meu lado."

- De Profundis.


[Me falta tempo; depois termino com mais alguns dos meus excertos preferidos. Mas lembrando sempre que nada no mundo substitui a leitura desse livro, e a respectiva interpretação e compreensão, ainda que limitada, de tamanho sofrimento.]

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

excerto de "dor"


Porque dou eu guarida no meu espírito a tanto lixo e disparate? Estarei na esperança de que, se o que sinto se disfarçar de pensamento, sentirei menos? Não serão todas estas notas as contorções sem sentido de um homem que não quer aceitar o fato de que nada há a fazer quanto ao sofrimento, a não ser sofrê-lo? Na realidade, pouco importa que nos agarremos aos braços da cadeira do dentista ou que mantenhamos as mãos quietas no colo. A broca continua a brocar. E a dor continua a assemelhar-se ao medo.

Talvez, mais precisamente, à ansiedade. Ou à expectativa. Estar simplesmente na expectativa de que alguma coisa aconteça. E isso dá à vida um sentido permanentemente provisório. Não parece que valha a pena começar a fazer seja o que for. Não consigo sossegar. Bocejo, agito-me, fumo demais. Até isto acontecer, tinha sempre demasiado pouco tempo. Agora não há mais nada senão tempo. Tempo quase puro, um vazio consecutivo.


C. S. Lewis.


sábado, 5 de setembro de 2009



"Não sou boa companhia, não gosto de conversar. Não quero trocar idéias – ou almas. Sou apenas um bloco de pedra para mim mesmo. Quero ficar dentro do bloco, sem ser perturbado."



"(...) Sabia que tinha alguma coisa fora do lugar em mim. Eu era uma soma de todos os erros: bebia, era preguiçoso, não tinha um deus, idéias, ideais, nem me preocupava com política. Eu estava ancorado no nada, uma espécie de não-ser. E aceitava isso. Eu estava longe de ser uma pessoa interessante. Não queria ser uma pessoa interessante, dava muito trabalho. Eu queria mesmo um espaço sossegado e obscuro pra viver a minha solidão. Por outro lado, de porre, eu abria o berreiro, pirava, queria tudo e não conseguia nada. Um tipo de comportamento não se casava com o outro. Pouco me importava."


"Não há nada a lamentar sobre a morte, assim como não há nada a lamentar sobre o crescimento de uma flor. O que é terrível não é a morte, mas as vidas que as pessoas levam ou não levam até a sua morte. Não reverenciam suas próprias vidas, mijam em suas vidas. As pessoas as cagam. Idiotas fodidos. Concentram-se demais em foder, cinema, dinheiro, família, foder. Suas mentes estão cheias de algodão. Engolem Deus sem pensar, engolem o país sem pensar. Esquecem logo como pensar, deixam que os outros pensem por elas. Seus cérebros estão entupidos de algodão. São feios, falam feio, caminham feio. Toque para elas a maior música de todos os tempos e elas não conseguem ouví-la. A maioria das mortes das pessoas é uma empulhação. Não sobra nada para morrer"


"Eu não tinha interesses. Eu não tinha interesse por nada. Não fazia a miníma idéia de como iria escapar. Os outros, ao menos, tinham algum gosto pela vida. Pareciam entender algo que me era inacessível. Talvez eu fosse retardado. Era possível. Freqüentemente me sentia inferior. Queria apenas encontrar um jeito de me afastar de todo mundo. Mas não havia lugar para ir. Suicídio? Jesus Cristo, apenas mais trabalho. Sentia que o ideal era poder dormir por uns cinco anos, mas isso eles não permitiriam"


"Tenho visto intelectuais demais ultimamente. Me canso fácil dos intelectos que precisam cuspir diamantes toda vez que abrem as suas bocas. Eu me canso de ficar batalhando por cada pedaço de ar para o espírito. É por isso que me afasto das pessoas por tanto tempo, e agora que estou encontrando as pessoas, descubro que preciso voltar para minha caverna. Existem outras coisas além da mente: há insetos e palmeiras e trituradores de pimenta e eu vou ter um triturador de pimenta na minha caverna, portanto riam."


"Quanto mais o tempo passa, eu significo menos pras pessoas e elas sinignificam menos para mim."


"Minhas feridas estavam cicatrizando. Podia agüentar um pouco de sombra. Imagine se eu pudesse pular abismos para sempre. Talvez depois de um descanso eu pudesse me jogar outra vez da beirada. Talvez. Eu pensava: dê um tempo. Tente se sentir melhor. O mundo inteiro é um saco de merdas se rasgando. Não posso salvá-lo. Sei que nos movemos em direção à miragem, nossas vidas são desperdiçadas, como as de todo mundo. Eu sabia que nove décimos de mim já havia morrido, mas eu guardava o décimo restante como uma arma."


"Como se não amar as pessoas fosse algo que revelasse uma imperdoável deficiência espiritual"


- Charles Bukowski

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

poesia próxima



Passa paisagem, trem

Alguém
Florestas, e alguma coisa urbana
Passam carros, ruídos, som
Construções e desconstruções
Materiais e imateriais
Passam cores, amores
Cores vivas ou incolores
Nos olhos, no vento
Em um sorriso desbotado
Passam saberes
sólidos, incostantes
Feitos de tempo
Passa a saudade,
a dor, o orgasmo
Passa a vontade do café
e do cigarro
Passa então, desapercebida
Breve como uma poesia
Passa a vida.

- Felipe


[ fragmento de um amigo poeta ]

domingo, 23 de agosto de 2009

vagabundos iluminados

Apoiado sobre a cabeça antes de ir parar a cama naquele telhado de pedra ao luar, dava mesmo parar ver que a terra na verdade estava de cabeça para baixo e que o homem é um besouro esquisito e vaidoso cheio de ideias estranhas que anda por aí se vangloriando (...) O mundo estava de cabeça para baixo, pendurado em um oceano de espaço infinito e lá estavam todas aquelas pessoas sentadas em cinemas assistindo a filmes, lá no mundo para onde eu retornaria...


- kerouac

ouro de tolo

Eu devia estar contente porque eu tenho um emprego, sou um dito cidadão respeitável e ganho quatro mil cruzeiros por mês. Eu devia agradecer ao Senhor por ter tido sucesso na vida como artista, eu devia estar feliz porque consegui comprar um Corcel 73. Eu devia estar alegre e satisfeito por morar em Ipanema depois de ter passado fome por dois anos aqui na Cidade Maravilhosa. Ah! Eu devia estar sorrindo e orgulhoso por ter finalmente vencido na vida mas eu acho isso uma grande piada e um tanto quanto perigosa. Eu devia estar contente por ter conseguido tudo o que eu quis mas confesso abestalhado que eu estou decepcionado...

Porque foi tão fácil conseguir e agora eu me pergunto "e daí?" Eu tenho uma porção de coisas grandes prá conquistar e eu não posso ficar aí parado... Eu devia estar feliz pelo Senhor ter me concedido o domingo prá ir com a família no Jardim Zoológico dar pipoca aos macacos... Ah! Mas que sujeito chato sou eu que não acha nada engraçado: Macaco, praia, carro, jornal, tobogã... Eu acho tudo isso um saco...

É você olhar no espelho, se sentir um grandessíssimo idiota saber que é humano, ridículo, limitado, que só usa dez por cento de sua cabeça animal... E você ainda acredita que é um doutor padre ou policial que está contribuindo com sua parte para o nosso belo quadro social. Eu que não me sento no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar. Porque longe das cercas embandeiradas que separam quintais no cume calmo do meu olho que vê assenta a sombra sonora de um disco voador...



[21/08/09; vinte anos na ausência de tamanho gênio...]

o acrobata pede desculpas e cai



"Você deu sorte, meu chapa. O filho do senador telefonou e pediu que o delegado te soltasse. Não fosse isso, você ia levar uma coça.
Olho para os meus semelhantes e lhes digo:


- Muito Obrigado.

Começo a andar mais uma vez por esta cela bem mais espaçosa que um humorista qualquer achou por bem chamar de liberdade."


"Desço as escadas do templo pensando nas desvantagens que me tem trazido esta louca coerência de uma vida que ninguém vive. Mas ela está dentro de mim, apesar das condições. Está lá no centro nervoso do desespero: é a alma da minha calma feita de nervos. Não há como arrancá-la e renascer igual. Eu quero acreditar nesta vida-não-vida... Quero acreditar nas coisas ditas e proclamadas pela maioria. Quero torcer no futebol; pertencer a um partido; acreditar no anúncio que vejo na televisão e emocionar-me com o problema da mãe solteira. É preciso amordaçar este estúpido espírito crítico sempre que eu ouvir a voz da maioria."

- wolff

sexta-feira, 17 de julho de 2009

o apanhador no campo de centeio



"E eu tenho uma dessas gargalhadas imbecis, altas pra burro. Dessas assim que, se eu sentasse atrás de mim num cinema ou coisa parecida, eu provavelmente me debruçaria e diria a mim mesmo para fazer o favor de calar a boca."






domingo, 28 de junho de 2009

cartas a um jovem poeta

[...]Voltando ao assunto da solidão, fica cada vez mais claro que no fundo ela não é nada que se possa escolher ou abandonar. Somos solitários. É possível iludir-se a esse respeito e agir como se não fôssemos. É tudo. Muito melhor, porém, é perceber que somos solitários, e partir exatamente daí. Com certeza acontecerá de sentirmos vertigens, pois todos os pontos em que nossos olhos costumam descansar nos são tirados, não há mais nada próximo, e toda distância é uma distância infinita. Quem fosse retirado de seu quarto, quase sem preparação ou transição, e posto nas alturas de uma grande montanha, necessariamente sentiria algo semelhante: uma insegurança sem igual, um abandono ao inominável quase o aniquilariam. Ele pensaria estar caindo ou sendo arrastado pelos ares ou destroçado em mil pedaços. Seu cérebro precisaria inventar uma mentira enorme para captar e esclarecer a situação de seus sentidos. É assim que se modificam, para quem se torna solitário, todas as distâncias, todas as medidas; dessas modificações, há muitas que ocorrem repentinamente. Como para aquele homem no pico da montanha, surgem então imaginações inabituais e sensações estranhas, que parecem ultrapassar a medida do que se pode suportar. No entando é necessário que vivamos também isso. Precisamos aceitar a nossa existência em todo o seu alcance; tudo, mesmo o inaudito, tem de ser possível nela. No fundo é esta a única coragem que exige de nós: sermos corajosos diante do que é mais estranho, mais maravilhoso e mais inexplicável entre tudo com que nos deparamos. O fato de os homens terem sido covardes nesse sentido causou danos infinitos à vida; as experiências que são chamadas de "fenômenos", todo o suposto "mundo dos espíritos", a morte, todas essas coisas tão familiares para nós foram tão excluídas da vida, por meio de uma atitude cotidiana defensiva, que os sentidos com os quais poderíamos apreendê-las se atrofiaram. Sem falar em Deus. Mas o medo do inexplicável não empobreceu apenas a existência individual, também as relações entre as pessoas foram limitadas por ele, como que transferidas do leito de um rio de infinitas possibilidades para um locar ermo da margem, onde nada acontece. Pois não é apenas indolência que faz as relações humanas se repetirem de modo tão monótono e sem renovação de caso a caso, é a timidez diante de qualquer experiência nova, imprevista, para a qual não nos consideramos amadurecidos. Mas apenas quem esta pronto para tudo, quem não exclui nada, nem mesmo o mais enigmático, viverá a relação com uma outra pessoa como algo vivo e irá até o fundo de sua própria existência. Pois, se pensarmos a existência do indivíduo como um cômodo de dimensões maiores ou menores, revela-se que a maioria de nós só chega a conhecer um canto de seu quarto, um local perto da janela, uma faixa na qual se anda para lá e para cá. Contudo, é muito mais humana do que essa segurança aquela incerteza, cheia de perigos, que leva os prisioneiros dos contos de Poe a tatearem as formas de seus cárceres aterrorizantes e a não serem alheios aos horrores indizíveis de sua permanência ali. E no entanto, nós não somos prisioneiros. Não há armadilhas e emboscadas armadas em torno de nós, nada que nos devesse angustiar ou perturbar. Estamos lançados na vida como no elemento ao qual correspondemos melhor, além disso nos tornamos, por meio de uma adaptação de milhares de anos, tão semelhantes a essa vida que, por um mimetismo afortunado, se nos mantivermos quietos, quase não nos diferenciaremos daquilo que nos cerca. Não temos motivo algum para desconfiar de nosso mundo, pois ele não está contra nós. Caso possua terrores, são nossos terrores; caso surjam abismos, esses abismos pertencem a nós; caso existam perigos, então precisamos aprender a amá-los. Se orientarmos a nossa vida segundo aquele princípio que nos aconselha a nos aferrarmos sempre ao que é difícil, o que agora nos parece ser muito estranho se tornará o que há de mais familiar e confiável. Como poderíamos esquecer aqueles antigos mitos que se encontram nos primórdios de todos os povos, os mitos sobre os dragões que, no último momento, transformam-se em princesas; talvez todos os dragões de nossa vida sejam princesas, que esperam nos ver um dia belos e corajosos. Talvez todo o terror não passe, em última instância, do desamparo que requer nossa ajuda. [...]



- Rainer Maria Rilke

sábado, 9 de maio de 2009

sartre

"Não sei sofrer, não sofro nunca bastante. O que havia de mais penoso no sofrimento era ser um fantasma, a gente passava o tempo a correr atrás dele e imaginava-se sempre que ia alcançá-lo, que ia se jogar dentro dele e sofrer de verdade, rangendo os dentes, mas no momento em que se pensava atingi-lo, ele escapava, a gente não encontrava mais nada senão um fogo de artifício de palavras e milhares de raciocínios desvairados em minuciosa efevercência."

"Talvez não possa ser de outro modo; talvez seja preciso escolher: não ser nada ou representar o que é."

"Havias pessoas que não existiam, eram vapores. E outras que existiam demais."

"Um homem que se condena a si próprio, a gente tem sempre vontade de dar pancada para liquidá-lo de vez, para partir em mil pedaços o pouco de dignidade que ainda lhe resta.
"

"Agrada-me indignar-me contra o capitalismo, mas não desejo que o suprimam, porque não teria mais motivos de indignação. Agrada-me sentir-me desdenhoso e solitário, agrada-me dizer 'não', sempre 'não', e teria medo que se construísse um mundo viável porque teria que dizer 'sim' e fazer como todos os outros."




- Jean Paul Sarte

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

clarice

"Não entendo. Isso é tão vasto que ultrapassa qualquer entender. Entender é sempre limitado. Mas não entender pode não ter fronteiras. Sinto que sou muito mais completa quando não entendo. Não entender, do modo como falo, é um dom. Não entender, mas não como um simples de espírito. O bom é ser inteligente e não entender. É uma benção estranha, como ter loucura sem ser doida. É um desinteresse manso, é uma doçura de burrice. Só que de vez em quando vem a inquietação: quero entender um pouco. Não demais: mas pelo menos entender que não entendo."


"Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos joga parar a frente. Foi o apesar de que me deu uma angústia que insatisfeita foi a criadora da minha própria vida. Foi apesar de que parei na rua e fiquei olhando para você enquanto você esperava um taxi. E desde logo desejando você, esse teu corpo que nem sequer é bonito, mas é o corpo que eu quero. Mas quero inteiro, com alma também. Por isso, não faz mal que você não venha, esperarei quanto tempo for preciso."


"Saudade é um pouco como fome. Só passa quando se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na vida."



- Clarice Lispector


terça-feira, 18 de novembro de 2008

valores morais de wilde

"Influenciar uma pessoa é dar-lhe a nossa própria alma. O indivíduo deixa de pensar com os seus próprios pensamentos ou de arder com as suas próprias paixões. As suas virtudes não lhe são naturais. Os seus pecados, se é que existe tal coisa, são tomados de empréstimo. Torna-se o eco de uma música alheia, o ator de um papel que não foi escrito para ele. A finalidade da vida é para cada um de nós o aperfeiçoamento, a realização plena da nossa personalidade. Hoje, cada qual tem medo de si próprio, esquece o maior dos deveres: o dever que tem consigo mesmo. Naturalmente, o homem é caridoso. Dá de comer ao faminto, veste o maltrapilho. Mas a sua alma é que sofre fome e anda nua. A coragem abandonou nossa raça. Talvez nunca a tenhamos tido."


"Eu nunca aprovo nem desaprovo coisa alguma. Seria assumir uma atitude absurda para com a vida. Não fomos mandados ao mundo para apregoar nossos preconceitos morais. Não faço nunca o menor caso do que se diz o vulgo em geral, nem intervenho jamais no que fazem as pessoas encantadoras. Se uma pessoa me fascina, seja qual for a maneira de expressão que essa pessoa escolha, será sempre absolutamente encantadora para mim."


- Oscar Wilde

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

poema em linha reta

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.


E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.


Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...


Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma covardia!
Não, são todos o Ideal, se os ouço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,


Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?


Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?


Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


- Álvaro de Campos, heterônimo de Fernando Pessoa

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

livro do desassossego

"Dói-me qualquer sentimento que desconheço; falta-me qualquer argumento não sei sobre o quê; não tenho vontade nos nervos. Estou triste abaixo da consciência. E escrevo estas linhas, realmente mal-notadas, não para dizer isto, nem para dizer qualquer coisa, mas para dar um trabalho à minha desatenção. Vou enchendo lentamente, a traços moles de lápis rombo - que não tenho sentimentalidade para aparar - , o papel branco de embrulho de sanduíches, que me forneceram no café, porque eu não precisava de melhor e qualquer servia, desde que fosse branco. E dou-me por satisfeito."


"Tudo me cansa, mesmo o que não me cansa. A minha alegria é tão dolorosa como a minha dor. Quem me dera ser uma criança pondo barcos de papel num tanque de quinta, com um dossel rústico de entrelaçamentos de parreira pondo xadrezes de luz e sombra verde nos reflexos sombrios da pouca água. Entre mim e a vida há um vidro ténue. Por mais nitidamente que eu veja e compreenda a vida, eu não posso lhe tocar. Raciocinar a minha tristeza? Para quê, se o raciocínio é um esforço? e quem é triste não pode esforçar-se. Nem mesmo abdico daqueles gestos banais da vida de que eu tanto quereria abdicar. Abdicar é um esforço, e eu não possuo o de alma com que esforçar-me. [...] Por mais que por mim me embrenhe, todos os atalhos do meu sonho vão dar a clareiras de angústia. Mesmo eu , o que sonha tanto, tenho intervalos em que o sonho me foge. Então as coisas aparecem-me nítidas. Esvai-se a névoa de quem me cerco. E todas as arestas visíveis ferem a carne da minha alma. Todas as durezas olhadas me magoam o conhêce-las durezas. Todos os pesos visíveis de objectos me pesam por a alma dentro. A minha vida é como se me batessem com ela."


" Sou daquelas almas que as mulheres dizem que amam, e nunca reconhecem quando encontram, daquelas que, se elas as reconhecessem, mesmo assim não as reconheceriam. Sofro a delicadeza dos meus sentimentos com uma atenção desdenhosa. Tenho todas as qualidades, pelas quais são admirados os poeta românticos, mesmo aquela falta dessas qualidades, pela qual se é realmente poeta romântico. Encontro-me descrito (em parte) em vários romances como protagonista de vários enredos; mas o essencial da minha vida, como da minha alma, é não ser nunca protagonista."


- Bernardo Soares, semi-heterônimo de Fernando Pessoa

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

a utopia

"O ouro e a prata não têm, nesse país, mais valor do que lhes deu a natureza. Esses dois metais são ali considerados bem abaixo do ferro, o qual é tão necessário ao homem quanto a água e o fogo. Com efeito, o ouro e a prata não têm nenhuma virtude, nenhum uso, nenhuma propriedade cuja privação acarrete um inconveniente natural e verdadeiro. Foi a loucura humana que pôs tanto valor em sua raridade.

A natureza, esta excelente mãe, escondeu-os em grandes profundidades, como produtos inúteis e vãos, enquanto que expõe a descoberto a água, o ar, a terra, e tudo o que há de bom e realmente útil.

[...]

Os utopianos admiram-se de que seres razoáveis possam se deleitar com a luz incerta e duvidosa de uma pedra ou de uma pérola, quando têm os astros e o sol com que encher os olhos. Encaram como louco aquele que se acredita mais nobre e mais estimável só porque está coberto de uma lã mais fina, lã tirada das costas de um carneiro, e que foi usada primeiro por este animal. Admiram-se que o ouro, inútil por sua própria natureza, tenha adquirido um valor fictício tão considerável que seja muito mais estimado do que o homem; ainda que somente o homem lhe tenha dado este valor e dele se utilize, conforme seus caprichos."


- Thomas More

terça-feira, 28 de outubro de 2008

amizade estelar

"Éramos amigos e agora somos estranhos um ao outro. Mas não importa que assim o seja: não procuremos escondê-lo ou calá-lo como se isso nos desse razão para nos envergonhar. Somos dois navios cada um dos quais com o seu objetivo e a sua rota particular; podemos cruzar-nos, talvez, e até celebrar juntos uma festa, como já o fizemos - e esses corajosos barcos estavam lá tão tranquilos, debaixo do mesmo sol, no mesmo porto , que se teria acreditado que tinham alcançado o objetivo, o mesmo destino. Mas a onipotência das nossas tarefas separou-nos em seguida, empurrados para mares diferentes, debaixo de outros sóis - e talvez nunca mais nos voltemos a ver: mares diferentes, sóis diversos nos mudaram! era preciso que nos tornássemos estranhos um ao outro: era a lei que pesava entre nós, é exatamente por isso que nos devemos mais respeito. Para que a idéia da nossa antiga amizade torne-se mais sagrada! Há provavelmente uma formidável trajetória, uma pista invisível, uma órbita estelar, sobre a qual os nossos caminhos e os nossos objetivos diferentes estão inscritos como pequenas etapas; elevemo-nos até este pensamento. Porém a nossa vida é demasiado curta e a nossa vista demasiado fraca para que possamos ser mais que amigos, no sentido em que o permite esta sublime possiblidade... Acreditemos, então, na nossa amizade estelar, mesmo se tivermos de ser inimigos na terra."


- Friedrich Nietzsche